10.7.06
Afirma - pouco - Pacheco
As crónicas de José Pacheco Pereira ( JPP ), no Público, já por várias vezes me mereceram, aqui ou alhures, intervenções diversas com réplicas discordantes, na sua maior parte, ou então lavradas para marcar uma diferente sensibilidade política, de quem se imagina no mesmo ou semelhante enquadramento político.
No caso do PSD, julgo que ninguém, hoje, terá bem a noção do real enquadramento ideológico em que este Partido se situa, pouco dizendo o nome com a coisa ou com a prática de intervenção social conhecida, nos últimos 10 a 15 anos já, tanto quanto podemos identificá-la.
Dadas as características do momento que atravessamos, dir-me-ão alguns que se trata de questão secundária, quase irrelevante, tão descaracterizados vão os tempos quanto a definições ideológicas. Pode ser que tenham os demais razão, mas para quem preza a coerência e a racionalidade torna-se mister conhecer certos referenciais, para saber por que e por quem se tenha de combater.
Os mais pragmáticos hão-de logo atalhar que a definição se apura na luta ou no jogo político-partidário, sem necessidade de se exigir alinhamentos ideológicos antecipados. Se avaliássemos tudo pela prática recente, talvez concordássemos com a ideia.
Há cerca de 15 dias, JPP escreveu aquele artigo sobre a necessidade de existir uma oposição liberal, moderada, em relação à prática do Governo socialista, que, saudavelmente, suscitou alguma polémica, em especial na blogosfera, visto que nos meios de Comunicação Social, em geral, tal se vai tornando raro, se não impossível.
A chamada auto-censura começa a impor-se, por vias sub-reptícias, mas eficazes. A liberdade está consignada na Lei, mas a previdência, a conveniência, inculcam-se já nas consciências e ninguém se mostra disposto a arriscar a sua pequena segurança, com excepção de um reduzido número, cada vez, no entanto, mais reduzido, que, mercê de condições particulares ou por serem os seus membros de constituição moral mais robusta, persistem em afirmar a sua voz, ainda que conscientes da sua escassa ineficácia.
Ainda assim, pelo que pude apurar, contaram-se por cerca de uma dezena as réplicas ao referido artigo de JPP, de 29 de Julho p.p., no Público. Não li, contudo, o conteúdo dessas réplicas para sobre elas me poder pronunciar. Admito que JPP as tenha lido, já que a elas fazia referência, na sua crónica da semana passada, de 03 de Julho, a que deu o título de «No Puede Ser», para contar uma história ocorrida com ele, há anos, numa sua deslocação à Guatemala, a um encontro político internacional, em representação do PSD.
A história ocupa cerca de 2/3 do artigo e serve apenas para ilustrar as diferentes formas de arrumação político-partidária de determinadas nomenclaturas ideológicas, consoante as sociedades em que elas ocorrem.
O essencial ficou, não obstante, fracamente analisado. De modo vago, pouco preciso, JPP afirmou que é por políticas liberais, mais que partidário do liberalismo económico ou do chamado neo-liberalismo, doutrina que parece ter vindo dos EUA, para conquistar certos espíritos europeus, aparentemente cansados de coesão social e assustados com o seu custo, segundo os teóricos americanos, absolutamente incomportável para a competitividade das Empresas e das Economias dos países europeus, ameaçadas, na sua própria sobrevivência, no maravilhoso mundo globalizado, o tal que se nos impõe como uma inelutável fatalidade, mesmo se dele não gostamos ou timoratamente duvidamos da sua bondade.
Todavia, aqui sim, valeria a pena JPP ter perdido algum tempo a explanar a sua posição. Tanta vez ele intervém, a propósito de tanto tema, que me surpreende que nunca tenha suficientemente dilucidado esse largo mar de confusão em que o PSD navega desde há longos anos.
Afinal, porque mantém este partido a designação de formação social-democrática, ainda que apenas de inspiração subliminar, na sua formulação ideológica, se só o vemos bater-se pela agenda neo-liberal, traduzida num limitado léxico, que não vai além de um conjunto de chavões, como a competitividade das Empresas, imaginada à sombra da pressão para reduzir salários, dos outros, que não os dos alegados promotores da dita competitividade, e os dos pequenos, nanja os dos Gestores, que, esses, querem-se ao melhor nível europeu.
Depois, vem a dita rigidez legislativa laboral, sempre arvorada em óbice do investimento, nacional e estrangeiro, pela dificuldade que comporta em despedir e pelo seu excesso de protecção social, que fabricaria trabalhadores acomodados, preguiçosos e inclinados à recalcitração e a todo o género de contestação, em face do compreensivo e generoso mundo empresarial.
A isto, acrescentam ainda, amiúde, a inconveniência ou a obstrução da Constituição da República, igualmente demasiado protectora de liberdades e garantias dos cidadãos, não os predispondo à aceitação da dureza laboral, inexoravelmente caracterizada por baixos salários e escassez de direitos, que, isto sim, constituirá o verdadeiro estímulo à produtividade que falta atingir, vide os exemplos asiáticos, do Leste Europeu e, sobretudo, da China, como agora se tornou de bom tom invocar de modo elogioso.
Sobre estes temas nunca vimos JPP discorrer. Achá-los-á desinteressantes ou despiciendos, por pouco «intelectuais» ? Não sabemos. Mas não deixa de ser curioso que, pertencendo JPP a um Partido que, supostamente, terá mais trabalhadores por conta de outrem que Empresários, nunca a perspectiva daqueles lhe haja merecido atenção.
Nunca vimos, nos anos mais recentes, JPP levantar uma discussão de carácter ideológico no PSD ou sequer suscitar um debate pela maior definição político-programática do Partido, como há muito não o vemos a encabeçar uma lista, um grupo, um movimento, que se proponha redimir o Partido das sucessivas «derivas liberais» que o têm tomado, pelo menos nos últimos três lustros.
Cumprirá, no entanto, dizer, em abono da verdade, que JPP, apesar de tudo, é dos poucos militantes destacados do PSD que ousam exprimir publicamente as suas opiniões políticas, concorde-se ou não com elas. Dos outros, nada transpira para a opinião pública, fora daquele estafado jargão de economês atrás citado.
Não era Antero que se admirava de alguém poder viver sem ideias ? Pois, passados mais de 130 anos, parece que estamos ante a mesma admiração !
Lograremos alguma coisa trazendo estes temas a debate ?
Conseguiremos, com estes pequenos desafios, espicaçar a farta verve política de JPP ?
E o que se passará com os demais militantes da causa da Social-Democracia, cidadãos interessados nos destinos da sua Nação, menos mediáticos, é certo, mas não desprovidos de ideias e de vontade de intervir na sua necessária regeneração ?
Ficarão eternamente calados e passivos, perante o espectáculo de degradação lenta mas progressiva do País a que todos assistimos ?
Estaremos em presença de um paulatino mas inexorável definhamento daquilo que tínhamos como ideia de Portugal ?
Quero crer que não !
AV_Lisboa, 10 de Julho de 2006
No caso do PSD, julgo que ninguém, hoje, terá bem a noção do real enquadramento ideológico em que este Partido se situa, pouco dizendo o nome com a coisa ou com a prática de intervenção social conhecida, nos últimos 10 a 15 anos já, tanto quanto podemos identificá-la.
Dadas as características do momento que atravessamos, dir-me-ão alguns que se trata de questão secundária, quase irrelevante, tão descaracterizados vão os tempos quanto a definições ideológicas. Pode ser que tenham os demais razão, mas para quem preza a coerência e a racionalidade torna-se mister conhecer certos referenciais, para saber por que e por quem se tenha de combater.
Os mais pragmáticos hão-de logo atalhar que a definição se apura na luta ou no jogo político-partidário, sem necessidade de se exigir alinhamentos ideológicos antecipados. Se avaliássemos tudo pela prática recente, talvez concordássemos com a ideia.
Há cerca de 15 dias, JPP escreveu aquele artigo sobre a necessidade de existir uma oposição liberal, moderada, em relação à prática do Governo socialista, que, saudavelmente, suscitou alguma polémica, em especial na blogosfera, visto que nos meios de Comunicação Social, em geral, tal se vai tornando raro, se não impossível.
A chamada auto-censura começa a impor-se, por vias sub-reptícias, mas eficazes. A liberdade está consignada na Lei, mas a previdência, a conveniência, inculcam-se já nas consciências e ninguém se mostra disposto a arriscar a sua pequena segurança, com excepção de um reduzido número, cada vez, no entanto, mais reduzido, que, mercê de condições particulares ou por serem os seus membros de constituição moral mais robusta, persistem em afirmar a sua voz, ainda que conscientes da sua escassa ineficácia.
Ainda assim, pelo que pude apurar, contaram-se por cerca de uma dezena as réplicas ao referido artigo de JPP, de 29 de Julho p.p., no Público. Não li, contudo, o conteúdo dessas réplicas para sobre elas me poder pronunciar. Admito que JPP as tenha lido, já que a elas fazia referência, na sua crónica da semana passada, de 03 de Julho, a que deu o título de «No Puede Ser», para contar uma história ocorrida com ele, há anos, numa sua deslocação à Guatemala, a um encontro político internacional, em representação do PSD.
A história ocupa cerca de 2/3 do artigo e serve apenas para ilustrar as diferentes formas de arrumação político-partidária de determinadas nomenclaturas ideológicas, consoante as sociedades em que elas ocorrem.
O essencial ficou, não obstante, fracamente analisado. De modo vago, pouco preciso, JPP afirmou que é por políticas liberais, mais que partidário do liberalismo económico ou do chamado neo-liberalismo, doutrina que parece ter vindo dos EUA, para conquistar certos espíritos europeus, aparentemente cansados de coesão social e assustados com o seu custo, segundo os teóricos americanos, absolutamente incomportável para a competitividade das Empresas e das Economias dos países europeus, ameaçadas, na sua própria sobrevivência, no maravilhoso mundo globalizado, o tal que se nos impõe como uma inelutável fatalidade, mesmo se dele não gostamos ou timoratamente duvidamos da sua bondade.
Todavia, aqui sim, valeria a pena JPP ter perdido algum tempo a explanar a sua posição. Tanta vez ele intervém, a propósito de tanto tema, que me surpreende que nunca tenha suficientemente dilucidado esse largo mar de confusão em que o PSD navega desde há longos anos.
Afinal, porque mantém este partido a designação de formação social-democrática, ainda que apenas de inspiração subliminar, na sua formulação ideológica, se só o vemos bater-se pela agenda neo-liberal, traduzida num limitado léxico, que não vai além de um conjunto de chavões, como a competitividade das Empresas, imaginada à sombra da pressão para reduzir salários, dos outros, que não os dos alegados promotores da dita competitividade, e os dos pequenos, nanja os dos Gestores, que, esses, querem-se ao melhor nível europeu.
Depois, vem a dita rigidez legislativa laboral, sempre arvorada em óbice do investimento, nacional e estrangeiro, pela dificuldade que comporta em despedir e pelo seu excesso de protecção social, que fabricaria trabalhadores acomodados, preguiçosos e inclinados à recalcitração e a todo o género de contestação, em face do compreensivo e generoso mundo empresarial.
A isto, acrescentam ainda, amiúde, a inconveniência ou a obstrução da Constituição da República, igualmente demasiado protectora de liberdades e garantias dos cidadãos, não os predispondo à aceitação da dureza laboral, inexoravelmente caracterizada por baixos salários e escassez de direitos, que, isto sim, constituirá o verdadeiro estímulo à produtividade que falta atingir, vide os exemplos asiáticos, do Leste Europeu e, sobretudo, da China, como agora se tornou de bom tom invocar de modo elogioso.
Sobre estes temas nunca vimos JPP discorrer. Achá-los-á desinteressantes ou despiciendos, por pouco «intelectuais» ? Não sabemos. Mas não deixa de ser curioso que, pertencendo JPP a um Partido que, supostamente, terá mais trabalhadores por conta de outrem que Empresários, nunca a perspectiva daqueles lhe haja merecido atenção.
Nunca vimos, nos anos mais recentes, JPP levantar uma discussão de carácter ideológico no PSD ou sequer suscitar um debate pela maior definição político-programática do Partido, como há muito não o vemos a encabeçar uma lista, um grupo, um movimento, que se proponha redimir o Partido das sucessivas «derivas liberais» que o têm tomado, pelo menos nos últimos três lustros.
Cumprirá, no entanto, dizer, em abono da verdade, que JPP, apesar de tudo, é dos poucos militantes destacados do PSD que ousam exprimir publicamente as suas opiniões políticas, concorde-se ou não com elas. Dos outros, nada transpira para a opinião pública, fora daquele estafado jargão de economês atrás citado.
Não era Antero que se admirava de alguém poder viver sem ideias ? Pois, passados mais de 130 anos, parece que estamos ante a mesma admiração !
Lograremos alguma coisa trazendo estes temas a debate ?
Conseguiremos, com estes pequenos desafios, espicaçar a farta verve política de JPP ?
E o que se passará com os demais militantes da causa da Social-Democracia, cidadãos interessados nos destinos da sua Nação, menos mediáticos, é certo, mas não desprovidos de ideias e de vontade de intervir na sua necessária regeneração ?
Ficarão eternamente calados e passivos, perante o espectáculo de degradação lenta mas progressiva do País a que todos assistimos ?
Estaremos em presença de um paulatino mas inexorável definhamento daquilo que tínhamos como ideia de Portugal ?
Quero crer que não !
AV_Lisboa, 10 de Julho de 2006
Comments:
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Oh meu amigo o problema hoje não é de enquadramentos ideológicos.Nessa matéria creio bem que não estamos mal, nem haverá muito a mudar ...talvez algumas precisões e outras adaptações.O problema por essas bandas, ou não só... é da massa de que somos feitos e do que tem movido toda essa gente que em tempos ajudei(por ideal purinho)a catapultar_ refiro-me exclusivamente ao PPD/PSD. Leia ao último editorial do POVO LIVRE e retire conclusões do mesmo.Acha que há alguma coisa a fazer?Perderam a capacidade de serem levados a sério, de serem ouvidos ( por muitos anos)por incompetência pura dos dirigentes desde Rebello de Sousa para cá ... Não é por enquanto possível queixarem-se depois de todas as poucas vergonhas, umas menos publicitadas que outras que, como os demais (PS,CDS)vêm a público.Que esperar de Marques Mendes ...por acaso acha que o homem tem capacidade inverter a tendência de um PSD mudo e frágil como se tem visto desde Fev. de 2005, mesmo com os favores activos de Marcelo e os favores passivos de Manuela Ferreira Leite, Borges,Cadilhe ...?
Excelente tema, Viriato.
JPP não se pode expôr a rótulos, defendendo uma determinada ideologia (liberalismo) difícil de implementar no pais real onde moram 2 milhões abaixo do limiar da pobreza.
É mais fácil fazer críticas caso a caso, com a moralidade do senso comum, do que empunhar bandeiras pesadas.
Quanto ao PSD ainda se torna mais complicado. Não há uma cabeça; há centenas, com ideias tão divergentes como Borges e Menezes.
O PSD é um partido social-democrata com fortes preocupações sociais onde as ideias liberais terão sempre muita dificuldade em vingar. Se algumas vezes se vê essa tentativa em M.Mendes, tal se deve ao facto de Sócrates ter invadido o espaço do PSD e não lhe restar outra via de oposição, senão colocar-se mais à direita. Mas uma vez no poder, velará tão bem pelo Estado e pelo Social como Sócrates (um social-democrata que se passou para o PS, melhor lugar para desenvolver as suas ideias).
O PSD é o único partido de direita (??) com possibilidade de ser poder. Ora a política só faz sentido se puder ser aplicada. Por isso, alguns os liberais só têm uma esperança - vencer dentro do PSD, o que me parece de todo impossível.
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JPP não se pode expôr a rótulos, defendendo uma determinada ideologia (liberalismo) difícil de implementar no pais real onde moram 2 milhões abaixo do limiar da pobreza.
É mais fácil fazer críticas caso a caso, com a moralidade do senso comum, do que empunhar bandeiras pesadas.
Quanto ao PSD ainda se torna mais complicado. Não há uma cabeça; há centenas, com ideias tão divergentes como Borges e Menezes.
O PSD é um partido social-democrata com fortes preocupações sociais onde as ideias liberais terão sempre muita dificuldade em vingar. Se algumas vezes se vê essa tentativa em M.Mendes, tal se deve ao facto de Sócrates ter invadido o espaço do PSD e não lhe restar outra via de oposição, senão colocar-se mais à direita. Mas uma vez no poder, velará tão bem pelo Estado e pelo Social como Sócrates (um social-democrata que se passou para o PS, melhor lugar para desenvolver as suas ideias).
O PSD é o único partido de direita (??) com possibilidade de ser poder. Ora a política só faz sentido se puder ser aplicada. Por isso, alguns os liberais só têm uma esperança - vencer dentro do PSD, o que me parece de todo impossível.
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